Acima das Nossas Possibilidades


No meio do desconsolo geral, no meio desta crise que nos assola, no meio do pessimismo galopante que grassa por todo o lado, aparecem, de vez em quando, histórias que nos dizem que nem tudo está perdido, que a esperança não morre e que podemos ter confiança e orgulho nas instituições deste país e nos nossos governantes. A história que vou contar é uma dessas. Pode ser lida na última edição do Expresso, a páginas 22 … para quem não teve a felicidade de a ler na íntegra aqui vai um resumo.

A história (presumo que seja verídica) começa em 1963 com a derrocada da cobertura da estação do Cais do Sodré onde morreu, no meio de outras 49 vítimas, um senhor que era funcionário administrativo da Emissora Nacional. Este senhor ganhava 3 600 escudos e, dois anos depois, foi atribuída (judicialmente) à sua viúva uma pensão vitalícia de 1000 escudos mensais (cerca de 28% do vencimento auferido pelo funcionário) a ser paga pela Sociedade Estoril (extinta em Janeiro de 1976), então concessionária da linha de Cascais.


Com a chegada do euro a pensão passou a 4,99 € (não se esqueçam do imposto de selo) mas a CP, que entretanto tinha passado a ser a concessionária, deixou de a pagar em 2002 pois considerava não ter “qualquer obrigação legal” de o fazer. Compreende-se, uma verba desta magnitude (!) poderia provocar graves estragos nas finanças da CP. Eu consideraria a alternativa de actualizar a pensão mas os senhores da CP, sempre atentos às consequências de gastar tal exorbitância resolveram de outro modo … deixaram de pagar os 4,99 € à viúva, preservando assim a saúde financeira da empresa.


Em 2007 a senhora queixa-se ao Provedor de Justiça que concorda com ela e solicita à CP a reapreciação da situação. A CP, sempre na defesa dos altos interesses da empresa e na sua luta contra o despesismo não vê “motivo para alterar a (sua) posição”. Inconformado, o Provedor põe o problema à secretária de Estado dos Transportes (agosto de 2009), Ana Paula Vitorino … esta, membro de um governo socialista e também preocupada com o défice das contas públicas é peremptória: a CP tem razão, “a entidade devedora é a Sociedade Estoril” (extinta em 1976, digo eu). Em desespero recorre-se então ao ministro das Obras Públicas (setembro de 2010), António Mendonça, esse expoente de rigor e competência (apenas dois exemplos, TGV e SCUTs, embora eu reconheça que as verbas envolvidas nestes casos não são comparáveis ao tremendo dispêndio que o pagamento de 4,99 € representa). Este determina que a CP não pode “assumir responsabilidades que não lhe são imputáveis”, sobretudo “numa conjuntura de grandes constrangimentos orçamentais e de grande exigência em rigor”.


Ao ler esta parte vieram-me as lágrimas aos olhos com a emoção de ver tão nobre e firme defesa dos interesses nacionais. Termino dizendo que a Provedoria, em Janeiro de 2011, abandonou/arquivou o processo e a viúva/pensionista, que tem hoje 90 anos, mostra a intenção de continuar a luta pois, num país onde temos gente a ir ao médico aos EUA em avião privado e gestores com prémios anuais de milhões de euros, ela é das que vive, talvez, acima das suas possibilidades.
(A Voz da Abita)
Luís Silva Nunes