Nota Prévia: Escolhi este título para uma série de artigos na medida em que julgo ser uma certa crise de modernidade que subjaz ao caos que vai grassando no Belenenses e sobre a qual terei concerteza ocasião de me pronunciar em artigo posterior. Penso também, por outro lado, que o espaço da blogosfera azul sem riscas tem que servir mais, para discutir o clube e falar dele com alguma sensatez e não tanto para debitaitar avulsamente, como se de vómitos se tratassem, frustrações, insultos, aberrações e alarvidades de índole diversa as quais colheriam em absoluto, melhor resultado numa consulta de psicanálise.
No seguimento do artigo anterior e para aqueles que tiveram paciência ou interesse em lê-lo tentámos, não só, abordar alguns aspectos de carácter mais genérico relacionados com o tão propalado conceito do clube – empresa, quanto mostrar que este conceito é, em grande medida, uma “invencionice” de um certo tipo de “nata” empresarial lusitana dedicada quiçá, ao negócio da construção civil, da hotelaria, da borracha e seus derivados, da venda de electrodomésticos, dos lanifícios, ao franchising de casas de alterne ou simplesmente da especulação em geral.
O que quero dizer é que este conceito aliás, muito apreciado em Portugal, produziu nos últimos anos, dirigentes desportivos (diabo seja surdo, cego e mudo!) que, em virtude das suas bem sucedidas vidas empresariais, foram tomando de assalto do Sul ao Norte do país, a gestão e a administração dos principais clubes de futebol e não seria de todo indecente afirmar que, este dirigismo, pouco, desportivo se transformou no nosso país, numa realidade que foi da cerveja ao pneu, do lençol ao televisor, do lote de terreno à sardinha enlatada e tudo isto com politiqueiros de junta de freguesia na lapela e outras clientelas adjacentes.
A ideia de fundo patente na invenção do conceito de clube-empresa prende-se com uma realidade que julgo peculiar: O-empresário-português-saloio-descobre-o-pontapé-na-bola-como-oportunidade-de-negócio-mas-como-é-bronco-não-percebe-que-de-futebol-não-vê-um-boi!
E porque será assim?
Talvez porque a maior parte desses empresários, bem sucedidos é certo, mas longe de serem magos da gestão, infirmam do atavismo lusitano que os faz menosprezar não só, o saber das coisas; a curiosidade; o saberem ouvir outras vozes e criar sinergias e compromissos estratégicos.
Transformam por isso, a gestão desportiva numa mera imitação das rotinas da sua (deles) actividade profissional/empresarial, minimizando por completo a complexidade do fenómeno desportivo em geral e do futebol, em particular, como se o contexto empresarial fosse decalcável para o contexto clube sem quaisquer custos, nomeadamente, os da ignorância crassa.
São estes empresários que transformam a gestão e a administração de um clube de futebol, numa certa lógica de neo-liberalismo bacoco, que por sua vez, promovem o acentuado desajustamento entre a realidade da sociedade em geral e a dos clubes.
Começam por tratar a massa associativa como uma vulgar comissão de trabalhadores esquecendo que, se no caso da empresa, esta não pertencerá aos trabalhadores, já no clube de futebol a participação associativa assume contornos bem diferentes. O associado não é sindicalizado nem representa outros interesses que não os do seu clube.
É curioso ver por essa Europa fora a forma como a intervenção multimilionária feita em alguns clubes que, para mim, tem o Hoffenheim, da Bundesliga, como grande exemplo, não se faz nem contra o clube nem contra os adeptos do clube, bem pelo contrário, percebe-se que o sucesso do investimento não pode dispensar as pessoas, o seu entusiasmo e a sua motivação clubística. Criam-se novas sinergias sem eliminar o potencial humano e sem deixar com isso de desenvolver actividade lucrativa.
O clube-empresa produziu em Portugal realidades que conduziram por um lado, à ingerência dirigente no balneário da equipa de futebol; à constante mudança de treinador; ao desinvestimento na formação porque esta tem custos e a sua componente lucrativa para além de demorada pode ser uma miragem; ao desinvestimento na manutenção e remodelação das estruturas físicas desportivas; ao desinvestimento na reestruturação administrativa, bem como, ao desinvestimento na adaptação às linguagens tecnológicas e na promoção daquilo que um clube tem de mais valioso: a sua imagem e comunicação.
Vivemos numa época em que nunca foi tão importante como agora ter uma política inteligente de comunicação e imagem e massificá-la. Por estranho que pareça isso não é feito. É como se os clubes se gerissem de costas voltadas para o mundo real.
Não se estranha por isso, na lógica do clube-empresa, que um pouco por todo o Portugal clubo-futebolístico se tenha verificado um decréscimo, tanto quanto um envelhecimento das massas associativas que, aliado às crises de resultados e, por manifesta falta de projecto estratégico operacional têm permitido entre outras coisas que os estádios se esvaziem pois, as receitas televisivas acabam por cobrir prejuízos daí decorrentes.
O problema é que estes inventores do clube-empresa não entendem que os estádios têm que ter gente porque podem realizar-se receitas interessantes se percebermos esse espaço como uma mais valia de negócio para as fontes de receita de um clube fidelizando assistências, nomeadamente, a dos sócios.
Por pensarem à “pato bravo” estes demagogos da gestão desportiva preferem receber, em adiantamento, as receitas da Sporttv até...2025 talvez, como se de fundos comunitários se tratassem, ao invés de puxarem pela massa cinzenta e produzirem uma ideia válida e, claro, menos sportelevisivo-dependente.
Talvez seja também, em virtude deste tipo de mentalidade que se inflacionou o preço dos bilhetes para os espectáculos desportivos, nomeadamente, para o futebol. Afinal a lógica deste tipo de empresário/gestor desportivo é, igual à do empresário que paga salários baixos porque pensa que assim motiva os trabalhadores ou, à do governante desmiolado que tem como única solução o aumentar dos impostos para diminuir o défice público.
Por isso, num caso verifica-se, paulatinamente, a desertificação dos estádios e no outro o desinteresse acentuado do público em geral pela política. Estrangular nunca foi uma boa forma de gerir negócios, particularmente, quando se quer fazer prosperar o seu próprio negócio. Conselho de judeu.
Assim os clubes são geridos numa lógica do balão de oxigénio. É caso para dizer que se fossem médicos, estes arautos do clube-empresa, colocariam os doentes sempre na Unidade de Cuidados Paliativos.
Não existirá exagero algum, em afirmar-se que o presidente manda no clube e o treinador da equipa de futebol dirige-a. O erro está em considerar que o clube e a equipa de futebol são coisas sem ligação quando afinal estão umbilicalmente ligadas.
No Belenenses este tipo de mentalidade aliada à dos “gestores de sociedade recreativa” tem feito estragos, que muitos de nós pensam ser irreparáveis, há anos a fio. Este ano voltámos a ser alvo de mais uma brincadeira deste género.
Sobreviveremos, mas será bom arrepiar caminho.
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Tempos Modernos (IV- B)
Publicado por Nuno Gomes @ 5.11.08 Etiquetas: CFB - (Série) "Tempos Modernos", Miguel Taveira