Tempos Modernos (V)

Modalidades? Sim... mas poucas.
Penso que estamos chegados a um ponto sem retorno da nossa história azul sem riscas não nos restando outras alternativas senão repensar estruturalmente o clube. Tal passa sem dúvida, em meu entender, por fazermos uma suspensão do juízo e escolhermos realmente que tipo de clube é que queremos ser e ter. Debater com elevação sobre o clube, independentemente, das sensibilidades, das incomodidades, das igrejinhas, das paróquias, das capelinhas, das facções, das secções. O clube é só um, não é de ninguém sendo, simultaneamente, de todos!

O CFB não soube conviver com a implantação de outros clubes em Lisboa e o seu acentuado sucesso desportivo, quer isso se deva ao mérito desportivo, ao poderio económico, aos favores políticos e a outras cambiantes menos claras. O CFB cresceu, mas de certo modo deixou de saber qual o melhor rumo. Envelheceu antes de tempo e foi perdendo referências de juventude na sua massa associativa com sucessivas direcções a dirigir para dentro…privilegiando interesses «familiares» ocultos.

Por outro lado e por uma questão de natureza não - conjuntural, mas própria do estar e do sentir singular de um clube que, surge em 1919 e, teve que conquistar espaço no panorama desportivo, cultural e de formação humana de homens e mulheres ligados ao fenómeno desportivo. Não se estranha neste sentido que surgisse uma vaga de modalidades, traduzindo as diferentes sensibilidades desportivas, dessas nossas gentes azuis sem riscas, dos tempos da fundação.
Essa foi decididamente uma opção estratégica. Promover a proliferação das diferentes modalidades e disciplinas desportivas como forma também de ir ao encontro do maior número possível de adeptos e assim construir uma base sólida de fiéis seguidores.

Mas tudo isto sucede num tempo em que imperava o amadorismo e um certo espírito olímpico nestas realidades e o fenómeno desportivo estava ainda a léguas de ser aquilo que hoje representa para as nações, sociedades humanas, para o universo económico e financeiro, para a comunicação humana, clubes, atletas e população em geral.

A existência ou não das chamadas modalidades é uma opção estratégica que não deve depender das conjunturas. Todavia podemos talvez, hoje, ao fim de 89 anos de existência equacionar seriamente (caso entendamos que a experiência passada nos pode ajudar a iluminar o futuro) se, para estabilizar desportiva, financeira, administrativa, infra-estrutural e humanamente o Belenenses, o modelo de gestão desportiva do clube não deverá contemplar uma redução séria das ditas modalidades ainda por cima ditas amadoras?

Que clube se pode permitir, qual aristocrata falido, albergar uma miríade de modalidades e ainda assim, contra todos os ventos e marés, persistir numa inane teimosia eclética? Será que é por aí o caminho viável do CFB? É isso que uns e outros querem? Ou melhor é isso que a vaidade e os interesses pessoais, as mesquinhas lutas de poder que grassam no clube almejam? Acaso o Belém pertence a esses que dele gostam apenas, o suficiente para se porem nos bicos dos pés que não têm ou, dele fazerem trampolim para actividades impróprias ao belenensismo?

Sou do Belém desde que nasci e antes de mim já o meu pai e o meu avô também o eram. Por certo, tal como muitos de nós que aqui escrevem e tal como muitos dos azuis sem riscas que não vergam à estarolo - dependência. Também gostava que o Belém tivesse modalidades que fossem do Futebol ao Berlinde, do Rugby ao Chinquilho e sempre…SEMPRE… para ganhar em qualquer campo fazendo alarde da grandeza da cruz de cristo!

No Belém não pode haver outra mentalidade que não seja uma cultura de vitória porque a alternativa a esta cultura de vitória é a mediocridade e por aí já nós andamos há demasiado tempo. Não é, por isso, possível nem sensato ter tantas modalidades e todas ganhadoras por igual porque não somos adversários de nós próprios. Mas também porque não é exequível e o expansionismo eclético nunca foi sinónimo de crescimento, progresso e desenvolvimento por si só.

No plano desportivo contemporâneo e, se as aprendizagens que fazemos com os outros, também servem para melhor vislumbrarmos o rumo estratégico a delinear, talvez devamos perceber que é incomportável alimentar, para além do futebol, muito mais do que 3 ou 4 modalidades com condições de gestão que permitam navegabilidade segura e em qualidade. Sendo que essas modalidades deverão funcionar como unidades de negócio autónomas, mas supervisionadas pelo clube.

Ter muitas opções num plantel de uma equipa de futebol não significa, necessariamente, ter qualidade nesse plantel. Ter muitas modalidades não significa, necessariamente, que somos um clube rico ou até um rico clube. É precisamente por não sermos um clube de nababos das arábias que urge travar a fundo nas modalidades e delas colher apenas as que são viáveis económica e financeiramente e com proventos desportivos acima de qualquer suspeição.

Talvez por isso, em virtude de muitos delírios com os ecletismos menos coerentes com a viabilidade do projecto cultural e desportivo do Belenenses, chegamos a 2008 em plena crise existencial! Porque o nosso grande deficit estratégico é não sabermos ainda o clube podemos e queremos ser! Vivemos uma crise de identidade clubística que tem sido perversa e auto - fágica!

Julgo ser chegado o momento de nos decidirmos a respeito do rumo que queremos trilhar pois, só assim saberemos se alguma vez chegaremos a ser o que escolhemos ser! Modalidades ganhadoras serão todas. Humana e institucionalmente. Mas desportivamente só algumas! São essas que teremos que considerar seriamente pois, deverão afinar por um registo competitivo de altíssima qualidade. O que significa não só ganharmos títulos nas competições em que participarmos, mas fundarmos nessas modalidades toda uma filosofia de jogo e formação à Belenenses!