A VIDA, O FUTEBOL E AS IRONIAS

1 – Depois de uma época desastrosa do futebol profissional do Belenenses, em que à incompetência de alguns dirigentes relativamente à construção de uma equipa de futebol se somou a incapacidade e ineficácia de técnicos e jogadores, sucedeu aquilo que há várias semanas se adivinhava: a descida de divisão.
Na época que agora finda, o Belenenses conseguiu fazer tudo aquilo que um clube de futebol não deve fazer: elaboração pela SAD de um orçamento irrealizável (em especial em relação às receitas), contratação de muitos jogadores sem experiência do futebol europeu e relativamente caros em face da sua real valia, escolha de uma equipa técnica desadaptada ao actual futebol português, profunda reformulação da equipa a meio da temporada no que respeita a jogadores e técnicos (com todas as implicações negativas em termos financeiros e desportivos que tais alterações implicaram), sem que daí resultasse uma melhoria significativa no desempenho da equipa. Foram erros a mais em tão pouco tempo, erros que aliás foram em parte herdados de anos anteriores, em que uma má gestão financeira foi disfarçada – para os menos atentos – por alguns êxitos momentâneos no futebol. Em alta competição, normalmente os erros graves pagam-se bastante caro. Hoje, como ontem, o Belenenses não foge a esta regra.
Com um orçamento de despesas claramente acima da média em relação aos orçamentos da 1ª Liga, o Belenenses conseguiu um triste feito: ser o campeão português da incompetência, da ineficácia e da pior relação custo/benefício (é verdade que o Benfica ainda nos deu alguma luta neste aspecto, mas nós obtivémos um claro primeiro lugar por demérito próprio).

2 – Tendo sido, em minha opinião, merecida a descida de divisão do Belenenses em termos desportivos, é possível que, por via administrativa, tal não venha a suceder. Não deixa de ser interessante constatar que a permanência do Belenenses na 1ª Liga não depende agora nem dos jogadores, nem do treinador, nem dos árbitros, nem da sorte. Depende (quase) exclusivamente dos actuais dirigentes e da sua capacidade de cumprir, até ao fim deste mês, os compromissos financeiros com o Fisco, a Segurança Social, os jogadores de futebol e a respectiva equipa técnica. Estes dias serão certamente terríveis para os dirigentes do Belenenses: sobre os seus ombros pesa a grande responsabilidade de fazer com que o Belenenses fique, com elevada probabilidade, na 1ª Liga, ou desça para a 2ª Divisão (campeonato não profissional). Poder-se-á dizer que foi para isso que foram eleitos, que não fazem mais que a sua obrigação, que já sabiam o que os esperava, mas é inegável que se trata de uma tarefa difícil. Nas circunstâncias actuais, se os administradores da SAD conseguirem satisfazer, atempadamente, todos os compromissos exigidos para que o Belenenses se possa inscrever nas Ligas profissionais de futebol, merecerão o aplauso dos sócios e accionistas, ou, pelo menos, o benefício da dúvida. Será um bom começo para enfrentar o árduo caminho que têm pela frente. Mas, se não o conseguirem, ficaremos perante um cenário dantesco: a descida aos campeonatos não profissionais com uma Administração da SAD em total descrédito e, por arrasto, com uma Direcção do Clube ferida de morte...

3 – Evidentemente que todos nós gostaríamos que o Belenenses permanecesse na 1ª Liga por mérito próprio e não por “decisões de secretaria”. Este tipo de situações só desprestigiam o Clube e obviamente não dão felicidade a nenhum adepto. Mas também não devemos ter complexos por os regulamentos jogarem, por uma ou outra vez, a nosso favor. Recentemente fomos duas vezes claramente prejudicados por uma incorrecta ou tendenciosa interpretação dos regulamentos, como sucedeu com os casos Meyong e Taça da Liga. Se, noutras situações, os regulamentos, aplicados de forma correcta e justa, nos beneficiarem, qual é o problema? Não temos mais direitos que os restantes clubes, mas também não podemos abdicar da defesa dos nossos legítimos direitos.
E, para os idiotas que nos consideram os “campeões de secretaria”, eu faço duas perguntas:
1ª pergunta: Sabem quantas vezes, ao longo de quase 90 anos de história, o Belenenses não desceu de divisão por “decisões de secretaria”? Eu respondo: uma vez, há 3 anos, no “caso Mateus”. Por “decisões de secretaria” não desceram de divisão muitos outros clubes, nos vários escalões da competição, ao longo da história do futebol português. Se nós somos campeões neste aspecto, então partilhamos este título com muitos outros...
2ª pergunta: Sabem quantos títulos nacionais é que o Belenenses perdeu por erros grosseiros de arbitragem, provavelmente forjados na “secretaria”? Estudem bem a história do futebol português e vão ter uma grande surpresa. Uma coisa posso-vos garantir: não foi apenas um campeonato. Neste particular, se nos quiserem considerar campeões, talvez não andem longe da verdade...

4 – Em conclusão, partindo do princípio que o Fisco respeita as disposições existentes na lei e que os regulamentos da LPFP e da FPF são cumpridos por estes organismos, a 2ª Liga para onde o Belenenses foi relegado em termos desportivos será, provavelmente, o nível competitivo em que o Belenenses não irá actuar durante a próxima época. A vida tem destas ironias. E o futebol também.