Morreu a Alegria e a Inteligência, Que Perdure a Alegria e o Exemplo de Cidadania


Deixou ontem de estar fisicamente entre nós, aquele que ao longo de 55 anos (1954 - 2010), foi um exemplo de simplicidade, amor ao próximo, virtuosismo, simpatia, humanismo e coragem.

Deve dizer-se que a Cultura Portuguesa está mais pobre! Temos fé e esperança que o seu exemplo de desprendimento dos bens materiais, amor ao próximo e invulgar sentido de ajuda, tenha espalhado abundante sementeira que frutifique entre os jovens ou "novos" actores que com ele privaram e aprenderam o que era ter valor intrínseco e ser-se um simples humano, amigo do seu semelhante.

Perdemos o Amigo que entrava naturalmente nos nossos corações (para ficar), com a maior das simplicidades, fosse através da pantalha televisiva, fosse sobre o palco de qualquer teatro, fosse à mesa do café ou num qualquer recanto da sua casa.

Mais conhecido pela forma bem disposta e simples como atacava os problemas sociais e quotidianos das sociedade modernas, vaidosas, miserabilistas e profundamente assimétricas, era no entanto um raro talento do teatro como actor (em todas as suas vertentes), para além de incomparável encenador, produtor, realizador e cenógrafo.

Teve uma vida totalmente preenchida e dedicada às artes, com uma entrega sem igual, onde abominou o materialismo que cega muito vaidoso, para além de uma paixão pela música, que só os mais chegados conheciam, onde também dava cartas!

Não privamos muito com Feio, nem somos dos seus mais chegados amigos, embora trocássemos assiduamente cumprimentos e temos uma pequena história profissional, que não resistimos a contar e mostra o Grande Senhor que é o António.

Como todos nós o AF possuía vários seguros e teve um sinistro em casa, tendo sido o meu escritório incumbido da respectiva regularização pela Seguradora, na altura, o pedido de intervenção trazia uma chamada de atenção, colocando em dúvida o enquadramento do sinistro nas garantias da apólice, de acordo com o teor da respectiva participação, embora também adiantassem, que o Segurado nunca havia participado qualquer sinistro.

Por razões de ética profissional, ao entregar o serviço à dupla que ia intervir em casa do António, pedi que efectuassem o levantamento exaustivo de todos os prejuízos (embora sabendo de antemão que a participação enfermava da verdade e simplicidade do seu personagem, inviabilizando a indemnização), e, que apurados todos os itens, convidassem o António Feio a efectuar um Aditamento à participação, acrescentando duas linhas.

Inteligente e puro como era, o AF quando convidado a efectuar o aditamento, sorriu e recusou, dizendo: ...já meti a pata na poça! Verdade? Mas escrevi o que realmente aconteceu... não vou receber nada tá visto...mas foi a verdade....

Na altura uma familiar mais nova ainda reclamou, ao que o António ripostou: ...não te enerves, assobia ou canta que descontrai..., convidando os meus homens para o acompanharem musicalmente na actividade lúdica que efectuava na altura, mas que não fosse batendo palmas.

Era assim o Grande António Feio! Simples, directo, honesto, desprendido e leal para com o seu semelhante.

Diga-se que o relatório seguiu para a Seguradora, dando conhecimento deste facto em nota pessoal, era o mínimo que podíamos fazer, perante a grandiosidade da sua nobreza intelectual.

Que viva, perdure e aumente entre nós os frutos desta nobre e alma única, exemplo de cidadania plena.

Até logo, António...

António, que era Feio
tinha personalidade única
bonito demais num meio
de inveja, traição e dúvida.