Tempos Modernos (II)

Nota Prévia: Escolhi este título para uma série de artigos na medida em que julgo ser uma certa crise de modernidade que subjaz ao caos que vai grassando no Belenenses e sobre a qual terei concerteza ocasião de me pronunciar em artigo posterior. Penso também, por outro lado, que o espaço da blogosfera azul sem riscas tem que servir mais, para discutir o clube e falar dele com alguma sensatez e não tanto para debitar avulsamente, como se de vómitos se tratassem, frustrações, insultos, aberrações e alarvidades de índole diversa as quais colheriam em absoluto, melhor resultado numa consulta de psicanálise.

Na sequência do artigo anterior e, para aqueles que tiveram oportunidade ou interesse em fazerem a sua leitura pois, só assim, se aperceberão da lógica que preside a esta séria articulada que denominei Tempos Modernos. Opto por iniciar este segundo artigo por recurso a algumas observações que, de tão evidentes, me parecem incontornáveis, sendo talvez mesmo, autênticas verdades lapalicianas.

É, por todos, demais reconhecido que o fenómeno desportivo desempenha uma extraordinária importância na actual economia da aldeia global. Essa importância está intimamente relacionada com o facto do epifenómeno desportivo ser, fundamentalmente, um fenómeno humano que faz movimentar, diariamente, milhões de pessoas em todo o mundo quer se trate de atletas, treinadores, adeptos, empresários, investidores, políticos, sociólogos, antropólogos, psicólogos, médicos, jornalistas e tantos outros mais.

O desporto leva atrás de si, como bem sabemos, multidões em todo o mundo. O desporto gera paixões. Amores e ódios. Independentemente da manifestação desportiva em causa e da modalidade presente nessa manifestação sabemos que do futebol ao golfe; do andebol ao hipismo; do atletismo ao críquete e passando por todas as outras modalidades, não há evento desportivo que não suscite o interesse do público que lhe é afecto. Surgindo entretanto o fenómeno desportivo, adicionalmente, acrescido dos media, dos sponsors, dos empresários e de todos aqueles que na sociedade contemporânea gravitam em torno dele.

Para aqueles que estiverem minimamente atentos ao curso da história cultural dos diferentes povos e das suas diferentes culturas, mas também ao modo como a sociedade na sua escala universal tem cruzado essa informação preciosa, fácil será verificar que o desenvolvimento e evolução humana, se faz nas suas múltiplas áreas e domínios de acção de uma forma que, diríamos quase, geometricamente, paralela. Isto porque certos desenvolvimentos num determinado campo do saber acabam por dar origem a desenvolvimentos num outro domínio do conhecimento humano que, por sua vez, vão lançar semente e potenciais avanços e descobertas num outro. E assim sucessivamente. É quase como se o desenvolvimento e o conhecimento humano a que vulgarmente chamamos progresso ocorresse em rede e por acção externa de outros factores.

É, por via deste mecanismo que, no âmbito de tudo o que circunscreve o fenómeno desportivo, se verificaram profundas alterações nos cuidados com a dieta alimentar dos atletas/desportistas; com as metodologias de treino; com as cargas de esforço e os momentos de repouso; com as lesões e a recuperação traumatológica; com a formação desportiva e consequente acompanhamentos dos jovens desportistas; com a calendarização e diversidade das competições; com a qualidade dos materias que compõem os equipamentos desportivos sempre pensados numa óptica de optimização da performance desportiva; com dimensão desportiva enquanto actividade altamente profissionalizada.

Em virtude disto e de muito mais o fenómeno desportivo atraiu para si as atenções do sector empresarial; transformou-se verdadeiramente numa indústria e entrou na economia de mercado. É um sector produtivo que anualmente rende muitos milhões de Euros/Dólares. Naturalmente chamou também a si, e de forma mais consistente, a atenção do universo político cada vez mais consciente do papel, muitas vezes diplomático, ao nível das relações internacionais que o desporto e, em particular, o Futebol tem desempenhado nas últimas décadas.

Como seria de expectar também, as formas de cobertura dos eventos e manifestações desportivas, sofreram enorme alteração. O desporto passou a ocupar cada vez mais horas de antena televisiva. Surgem canais temáticos, especificamente, vocacionados para o desporto, em geral e, para determinadas modalidades em particular.

Tal traduziu obviamente um aumento de receitas dos actores e agentes desportivos e também das estações de televisão através das sponsorizações que lhes garantem financeiramente, o poderem ter em exclusivo este ou aquele evento desportivo que por sua vez vai ser determinante nas chamada guerra de audiência. Afinal, à hora X passa o evento desportivo Y logo, N milhões a visioná-lo.

Torna-se por isso importante aplicar durante esse período de emissão um pacote publicitário específico pois, todos querem os seus produtos vísiveis quando estão milhões à «janela televisiva». É então, ao nível da Comunicação; da Imagem e do Marketing que vamos verificar uma autêntica revolução no fenómeno desportivo e nomeadamente no seu modo de tratamento para que chegue aos consumidores em óptimas condições de consumo inconsciente.

Fácil será de aceitar que nunca como antes a imagem de um atleta foi tão estilizada em termos imagéticos como hoje sucede, nunca como antes se gastaram largos milhões em campanhas publicitárias com anúncios de televisão, jornais e outdoors.

Nunca como hoje um atleta desempenhou um papel modelar para as novas gerações de desportistas ou adeptos do desporto. Nunca como hoje um atleta foi um produto tão vendável para os consumidores. Nunca como hoje o desporto foi sinónimo de sucesso profissional e económico.

Nunca como hoje o desporto, particularmente o futebol, foi tão responsável pelo sustento económico e qualidade de vida de milhões de famílias em todo o mundo. Também nunca como hoje as novas tecnologias da informação e da comunicação transformaram tanto a face do desporto e de todos aqueles que nele intervêem.

Nunca como hoje o desporto precisou tanto de gestores desportivos devidamente enquadrados no que às suas habilitações académicas se refere. Nunca como hoje o desporto foi um fenómeno de cultura global massificada e de incontornável significado para as sociedades contemporâneas.

Por todas estas razões e também certamente por outras que entretanto possamos aduzir assistimos actualmente a uma extraordinária transformação do conceito de manifestação/evento desportivo num outro conceito mais apropriado: o de espectáculo desportivo. É esse novo conceito que está na base se auto-sustentabilidade de muitos clubes por todo o mundo. É dele falaremos no próximo artigo desta série, na expectativa de começar a lançar alguma luz sobre o futuro azul sem riscas.