Nota Prévia: Escolhi este título para uma série de artigos na medida em que julgo ser uma certa crise de modernidade que subjaz ao caos que vai grassando no Belenenses e sobre a qual terei concerteza ocasião de me pronunciar em artigo posterior. Penso também, por outro lado, que o espaço da blogosfera azul sem riscas tem que servir mais, para discutir o clube e falar dele com alguma sensatez e não tanto para debitaitar avulsamente, como se de vómitos se tratassem, frustrações, insultos, aberrações e alarvidades de indole diversa as quais colheriam em absoluto, melhor resultado numa consulta de psicanálise.
No seguimento do artigo anterior, respeitando tanto quanto possível o fio condutor da lógica de pensamento, subjacente a esta série de opiniões, despretensiosas, denominada Tempos Modernos, é chegado agora o momento de nos debruçarmos sobre as grandes modificações operadas no conceito de evento desportivo a que o futebol se encontra circunscrito.
As grandes mudanças sociais dos últimos 30 anos produziram acentuadas alterações não só no próprio tecido social, mas na forma como as pessoas individualmente ou em grupo se relacio com a sociedade enquanto entidade abstracta e com as instituições sejam estas de que natureza forem.
Semelhante realidade prende-se com o facto dos cidadãos um pouco por todo o globo despertarem para uma perspectivação dos seus direitos e deveres de cidadania. Talvez por isso, esta última trintena de anos corresponda precisamente a um período de tomada de consciência da realidade social como nunca antes verificada muito pelo inestimável e determinante contributo das tecnologias de informação e comunicação.
O mundo ficou mais perto as pessoas aproximam-se navegando no virtual pelas “auto-estradas da informação e da comunicação”. O milagre da fibra óptica e do microchip permitiu-nos um outro olhar sobre as causas das coisas e os seus efeitos mais ou menos imediatos, mais ou menos colaterais.
Também no desporto e no caso vertente, no futebol, foi vísivel o esforço realizado para acordar de um certo letargo. Um dos aspectos onde o despertar não tardou muito refere-se à quase evidência de que o universo do desporto em geral oferecia um sem número de potencialidades (ocasiões de investimento/negócio) e que o seu crescimento exponencial em torno do futebol seria fabuloso.
Não foi por isso de estranhar que se iniciasse uma verdadeira corrida à mediatização do evento/fenómeno desportivo para o qual interessa canalizar cada vez uma maior massa de consumidores; que se desenvolvessem estratégias de e para fidelização desses mesmos consumidores; não só para os chamados bilhetes de época, mas também para todo um conjunto de produtos de merchandising com extraordinário potencial lucrativo.
Por outro lado ocorre que para que os negócios frutifiquem neste domínio é necessária uma maior consciencialização dos padrões de qualidade e conforto das infraestruturas desportivas, não apenas no tocante aos aspectos específicos da prática da modalidade a que se destinam mas, em grande parte, à necessidade cada vez maior de proporcionar aos espectadores de um evento desportivo a totalidade dos aspectos qualitativos que lhe estão inerentes e que passam desapercebidos em clima de menor conforto.
Acrescente-se também que importa não esquecer que os frequentadores destes eventos são de proveniência sócio-cultural e económica diversificada, mas parecem unir-se no que se reporta às exigências que fazem sobre a qualidade do serviço colocado à sua disposição por uma organização desportiva/infraestrutura desportiva que frequentem com alguma assiduidade como por exemplo aquela do clube do qual são adeptos/associados.
Tome-se como exemplo o Belém. Estamos já algo distantes dos tempos em que os espectadores pagantes se limitavam a adquirir o seu bilhete para o evento desportivo X, Y, Z de forma continuada sem fazerem reparos à qualidade do serviço envolvente a um jogo de futebol e a um estádio como o do Restelo.
A consciencialização da premência de qualificar novos espaços ou, requalificar outros já existentes para a prática desportiva e para o consumidor deste tipo de oferta de serviços, por parte da sociedade em geral, agentes e investidores/empresários desportivos em particular, produziram as alterações desejadas transformando o espectáculo jogo de futebol, num conceito de espectáculo mais e melhor elaborado, nomeadamente, no tocante às condições de conforto proporcionadas ao espectador singular bem como a todo um outro conjunto de facilidades/benefícios.
Mas para que esta transformação se verificasse com eficácia seria preciso antes de transformar a infraestrutura desportiva perceber que todos os grandes espectáculos só o são realmente quando levam a família atrás. Um grande espetácuçlo de futebol não pode prescindir da família mesmo que a família não queira ir ao futebol o futebol vai até à família ou seja os espaços desportivos passam na sua qualificação ou requalificação a oferecer todo um conjunto de serviços que vão muito além do próprio futebol.
E foi isto que claramente vislumbraram ingleses, italianos, holandeses, alemães (muito antes já os norte-americanos o haviam feito para o Hóquei no Gelo, Basebol e Basquetebol).
Não se estranhe por isso, nos grandes complexos desportivos a presença e a coexistência de Hotéis, Lojas de comércio diverso, Cinemas, Livrarias, Health Clubs e Spa, Agências de Viagem, Restauração, etc. Enfim, um novo conceito de entretenimento para antes, durante e depois do futebol.
E claro todos sabemos o quanto isto foi/é importante para os clubes que se atreveram a liderar esta mudança de mentalidade espectáculo-desportiva. Numa sociedade em rede como aquela em que vivemos e onde todos os sectores da mesma se interligam fruto do desenvolvimento que o homem neles vai propondo e/ou promovendo o desporto num modo geral e o futebol na sua especificidade, não poderia voltar costas a este enorme desafio que é repensar-se na sua formatação inicial, na sua oferta, na qualidade de serviço que disponibiliza.
Numa época e numa sociedade de qualificação e certificação da qualidade é urgente entender o consumidor não como um inimigo, bem pelo contrário, mas como um elemento necessário até à própria actividade lucrativa. Sem crítica e com ausência de concorrência não existe desenvolvimento possível.
O consumidor que procura o evento futebol, porque é naturalmente amador deste tipo de oferta de espectáculo, tem padrões de qualidade e torna-se cada vez mais convicto do direito que lhe assiste em solicitar a melhoria e a maior qualificação dessa oferta junto de quem a promove.
Por outro lado urge também, diversificar para outros públicos, nomeadamente, aqueles que não configuram com a tipologia do adepto comum da modalidade e que se move ainda numa zona de indefinição relativamente à sua adesão ou não a este tipo de manifestação desportiva, a qualidade e as alternativas que podem estar implicitas numa ida ao futebol. Umas horas bem passadas. E a estes públicos é preciso cativá-los.
E eis-nos paulatinamente a chegar ao tal clube-empresa de que tanto se fala e de que tão pouco se sabe ou diz. Mas isso fica para o próximo artigo desta série. Até lá então.
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Tempos Modernos (III)
Publicado por Nuno Gomes @ 23.9.08 Etiquetas: CFB - (Série) "Tempos Modernos", Miguel Taveira