Isso também dá jeito para a política...
Não. Para a política nada dá jeito. A política, como exercício público, é algo de fabuloso - sobretudo no poder local, onde se está mais perto dos problemas das pessoas. Mas como exercício formal, institucional e de poder, é muito pobre. Não consigo perceber o fascínio de tanta gente que vive obcecada pelo mundo da política. Isto é engraçado para ir, viver e desaparecer. A política é terrena, cheia de amuos, de mesquinhez, de carneirismos e de medos. O medo é, aliás, a palavra essencial para definir a política.
Mas os partidos são protagonistas essenciais no exercício da democracia.
Sim, e são importantíssimos. Mas o medo domina. O medo de ter opinião própria e muitas vezes o medo de decidir: porque magoei aquele, porque melindrei o outro. Quase sempre, quando se fala muito de responsabilidade e de prudência, está-se a falar de medo.
Para um independente, a política poderá ser um exercício mais nobre?
Sim, porque um independente tem à partida menos medo. No meu caso, ter sido da PJ, ter vivido situações-limite, ter trabalhado noites a fio por 200 escudos... tudo isso me deu uma perspectiva diferente das coisas. Quem se habitua a entregar a vida por 200 escudos, quem viu a morte em tantas ocasiões - umas vezes dentro de si, outras vezes nos outros - chega à política sem medo e sem tacticismo, que é outra das características da política funcional. Penso que fizemos um bom trabalho em Santarém, mas foi preciso vencer forças e pressões do arco-da--velha. Porque toda a gente resiste. E quanto maior é a decisão maior é a resistência. Um exemplo que ilustra bem isto é a história da entrega da medalha ao anterior primeiro-ministro.
Arrepende-se desse episódio?
Não. Se o governo ajudou à reabilitação do Convento de São Francisco, uma obra importantíssima para a região, porque é que eu não haveria de entregar uma medalha ao primeiro-ministro? Mas fui castigado na praça pública, e até os meus vereadores do PSD fugiram das reuniões - foi das coisas mais miseráveis que vi em toda a minha vida e que me causou uma repugnância absoluta e definitiva. Porque o que estava em causa não eram os partidos, o primeiro-ministro ou o Presidente da República: era Santarém e conseguirmos mais-valias para Santarém. Foi preciso ter coragem para enfrentar, dentro da câmara, um bando de assaltantes à mão armada. Houve plenários no PSD local para eu me redimir, debates na televisão, quanto eu só estava a tentar estar ao serviço de Santarém.
É por causa disso que já disse que não estará disponível para um novo mandato?
Sim. E também porque devemos mudar. Penso que um mandato de presidente de Câmara só deveria poder durar, no máximo, dez anos.
Porque se instalam vícios?
Completamente. E clientelismos, caciquismo, desleixos, visões deturpadas e tribais do poder.
Sente que isso já lhe está a acontecer?
Não, mas vejo isso nos outros e não quero isso para mim. Não quero ser chefe de uma tribo. Quero ser um homem livre, que se atira à vida com a força toda.
Está desiludido com a política.
Não, porque a política, enquanto serviço, é um acto de nobreza muito grande e que por isso dá um enorme gozo fazer. Nem calcula o prazer que toda esta guerra me deu. Não tenho isto que me aconteceu como uma amargura. E amanhã, se surgir a hipótese de conseguir outro grande desafio para Santarém com o Passos Coelho, também lhe ofereço a medalha de ouro da cidade. E se vier pelo Jerónimo de Sousa também a leva. Estando dentro da política, também estou fora, e percebo as lógicas. O facto de não servir a nenhum senhor dá-me distância crítica para perceber que isto só faz sentido por oito anos e que depois tem de vir outra cara, com novas formas de entender a cidade.
(excertos da entrevista a Moita Flores, ao ionline -
por Rosa Ramos, Publicado em 25 de Julho de 2011)