Como é patente em muito do que tenho expressado ao longo dos últimos anos, partilho o desgosto daqueles poucos que sendo Belenenses a sério sentem o definhamento de um orgulho de ser Belém e uma crescente incapacidade de por acções concretas, organizadas e sistemáticas ou mesmo falta desses princípios orientadores por parte de quem foi eleito e de quem é pago para governar os destinos de um Grande Clube Português.
Tenho para mim que este tipo de encolhimento está relacionado fortemente com dois factores, sendo que o primeiro é uma forte culpa-própria do Clube que corta toda a mística que vê passar à frente, e o segundo uma mentalidade já secular de subalternização e subjugação ao líder e de uma falta de interiorização dos valores e práticas democráticas que afecta gravemente o povo português em geral e a que os Belenenses, no particular, não são de todo imunes. O seguidismo e a bajulação do «poder», o querer aparecer no «boneco», o sentir-se importante por «andar ao lado» de quem manda. Esta mesma mentalidade (ou falta dela) vemos actualmente no seu maior fulgor nos dias que correm no servilismo jornalístico no amarrecar dos dirigentes de Clubes que não os actuais 3 do Estado, mutilando qualquer ambição acima da habitual mediocridade. Se bem que num âmbito regional e perfeitamente delimitado, vejo apenas um exemplo em Portugal, de verdadeira paixão de genuína exclusividade pelo clube da terra rejeitando outros estandartes: o Vitória Sport Clube, da cidade-berço (atravessaram o deserto e aí estão cheios de pujança e cheios de sócios e lugares anuais vendidos – e nós? Damos vivas a Mateus).
Por oposição a este conceito, temos há muitos anos um enraízado desmaio de côr, de falta de identidade. Fizemos a nós próprios coisas atrozes e que contribuiram fortemente para o actual estado de esvaziamento associativo e de participação dos adeptos. Tratamos o futebol como uma actividade protocolar e formal em vez de aquilo que é: uma festa. No futebol procura-se extinguir todos os sentimentos populares e de empatia. Não se promovem os símbolos do Clube nem para exploração comercial, o que é bem patente na inexistência de uma loja azul com dimensão digna desse nome e que carece de produtos, chegando na maioria do tempo a parecer uma loja de artigos essenciais num qualquer país da europa de leste nos tempos do racionamento
Do meu Belenenses (entenda-se daquele que conheci e vivi desde que me conheço) só por uma vez ou durante um (curto) período vi o Belenenses a bater o pé verdadeiramente aos «clubes do estado»: como resultado estivémos épocas consecutivas a disputar a Taça UEFA, ganhámos uma Taça de Portugal e ficámos uma vez (a última) no «pódium». Havia orgulho no ar e havia acima de tudo movimento e alegria, embora estivessemos já a anos-luz do passado glorioso cujo crádito se foi esvaindo com a descida de divisão em 1981/82 e por todo o percurso que antecedeu essa primeira e mais chocante descida e que se arrastou por mais de 20 anos entre resgate do Estádio, com alguns momentos de grandeza pelo meio, que foram excepção.
O mais grave nem é o ostracismo dos media. O pior é a perda de mentalidade ganhadora e do orgulho e capacidade de resistir e exigir. É ouvir como ouvi num jogo esta época (julgo que com o Leixões), a 30 minutos de terminar o jogo, alguém dizer atrás de mim que o empate já seria bom (ganhávamos por 1-0 e sofreríamos o golo do empate a 4 minutos do fim). A incapacidade de ser ambicioso ali escarrapachada e em alguém que certamente viu o Belenenses grande (tinha idade para isso) que eu já não tive a sorte de ver, excepto a espaços e muito muito pouco.
No plano desportivo, eu aceito qualquer resultado (que remédio) mas não admito que se lute por outra coisa que não a vitória em qualquer jogo que comecemos.
Não admito que o Belenenses não se agigante e não lute com todas as armas e forças que tem mesmo contra o maior colosso do futebol mundial.
Não admito.
Não admito que me venham com a lenga-lenga do golinho por jogo (venha de quem vier mesmo de quem eu aprecie).
Não admito a conversa do chegar à final já é uma vitória, mesmo que o seja, muito menos aceito o ainda pior que há não muito tempo foi dito. Se isto é ser faccioso, então que o seja. Não aceito, no que respeita ao Belenenses, que nos agachemos e nos ponhamos "a jeito" nem por questões "estratégicas". Porque fraqueza e mornice não atrai ninguém, só afasta.
A honra, o respeito, o «temor» conquistam-se, mais que no brilhantismo dos resultados, na postura e na forma como os procuramos, na inflexibilidade na defesa dos príncipios, na forma como nos conduzimos e na transparência dos nossos processos. E, nesse aspecto, estamos – perdoai a expressão – na lama. Porque mudaram os resultados, face a um passado recente, mas o discurso e o encolher de ombros e mentalidade face aos tais clubes do estado, mesmo no relvado (e hoje só vejo excepção no Andebol e Futsal, no pavilhão) e a falta de respeito pelos princípios fundadores é exactamente o mesmo.
No campo directivo não reagimos e permitimos por inércia que se pretenda acabar com a Fúria Azul (na prática é isso que se está a promover com a conivência de sócios pseudo-elitistas que vêem na Fúria uma qualquer barbárie ao nível das claques dos clubes do estado que no fundo admiram – alguns nem tanto assim tão no fundo);
Achamos bem a pessoalização e auto-centramento das gestões na pessoa de um Presidente, como se nos faltassem exemplos na nossa história de como isso nos é prejudicial e mesmo fatal. Malfadado sentimento de seguidismo este que está tão enraízado nos portugueses desde tempos imemoriais.
E, excepto em ataques pessoais (lá está: a pessoalização – vide caso Jesus+Adjunto, recentemente) não reagimos a todas as atoardas e faltas de respeito por aquele que historicamente é e será sempre um dos quatro maiores de Portugal.
Lamento muito ter que dizer isto. Mas os maiores inimigos do Belenenses são os próprios belenenses (ou os que dizem sê-lo). Não por se consumirem em desavenças ou por não conseguir estar de acordo sobre linhas fundamentais de reformas que é preciso pôr em marcha sob pena de colapsar a curto-prazo.O nosso maior inimigo somos nós próprios porque permitimos as maiores violações dos nossos princípios mais básicos e primários e revelamo-nos incapazes de nos indignar, protestar e renovar esta mentalidade do fantasma da continha certa (que sendo essencial acaba por nunca existir) e do servilismo instalado em nós face aos 3 clubes do Estado e todo o cortejo de seguidores.
Nuno Gomes
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Males: sem remédio?
Publicado por Nuno Gomes @ 5.12.07 Etiquetas: Nuno Gomes