Cá se fazem, cá se pagam...

Levante em greve de zelo

Corunha, Estádio Riazor. O árbitro apita para o início do desafio da 36.ª jornada da liga espanhola. Sai o Deportivo, mas os jogadores do Levante ficam todos no círculo central, paralisados, em greve de zelo, em protesto contra meses de salários em atraso. Provavelmente solidário e combinado com os colegas da equipa adversária, Sérgio Gonzalez, avançado do Depor, levou a bola, sem qualquer oposição, até à baliza deserta, rematando a insólita jogada com um remate ao lado. E as bancadas aplaudiram o falhanço, que não foi mais do que a encenação burlesca de uma das piores facetas do actual futebol. Olha se a moda pega por cá...

Aos futebolistas do Levante, que não vêem maneira de receber o deles, já quase tudo lhes ocorreu para denunciar o despudor do patrão supostamente falido. Entre levantamentos de rancho, ameaças de greve e todo o género de procedimentos judiciais, só lhes faltava o que fizeram, anteontem, na Corunha. O Deportivo teve o pontapé-de-saída e toda a equipa de Valência ficou estática, numa singular acção de protesto, que há-de ser mais recordada do que a vitória do Deportivo (1-0) ou o regresso aos relvados do médio Valeron. Tamanha simbologia só a da dignidade dos jogadores do Levante, equipa despromovida à segunda liga desde a jornada anterior.

A grotesca teatralização foi só mais uma demonstração do extremar da luta. As constantes ameaças de greve aos jogos, sempre adiadas por promessas de última hora, sempre incumpridas pelos acccionistas do clube, fartaram os jogadores de boas intenções.

O protesto prosseguiu ontem. Após o treino matinal, todo o plantel - acompanhado dos colegas da equipa B, de técnicos e funcionários do clube, que também não vêem a cor do dinheiro - foi pedir explicações ao ex-presidente, que bateu com a porta quando estalou a crise mas que continua a ser o segundo maior accionista da sociedade que governa o Levante. Pedro Villarroel foi surpreendido pela visita no gabinete de uma das suas empresas e a coisa ficou feia, segundo conta a imprensa espanhola.

O inesperado encontro pôs o ex-dirigente do clube em maus lençóis. E alguns jogadores, desesperados pelo acumular de dívidas, queriam chegar-lhe a roupa ao pêlo. Mas, Villarroel lá soube acalmar os ânimos. Sacudiu água do capote e contou-lhes que, afinal, já tinha vendido as acções ao presidente do clube, Júlio Romero, por um simbólico euro. O dia acabou com manifestação à porta do Estádio Cidade de Valência, com jogadores, técnicos, funcionários e adeptos a reclamarem a demissão do Conselho de Administração, que desespera, de banco em banco, a ver se lhe emprestam os quatro milhões de euros julgados necessários para pagar salários e acudir às necessidades imediatas do clube.
______________________________________

Por mais que considere que nos pusemos a jeito, por mais que considere que os orgãos de (pseudo) disciplina e de (pseudo) justiça da Liga e Federação nos prejudicaram intencionamente, por mais que considere que foi uma armadilha bem montada para nos tramar, estes senhores do Levante sabiam que Meyong tinha jogado por eles e pelo Albacete.

Fomos os totós e fomos comidos por quem se quis safar de despesas de um jogador que era um peso para eles, fomos comidos por quem nos tinha atravessado na garganta desde há dois anos cá no burgo. E fomos os únicos a pagar uma culpa que era de muitos, demais.

Por isso ao ler estas linhas publicadas no «Jornal de Notícias», só penso que não tenho pena nenhuma e que bem podiam ressarcir-nos com o passe do Meyong no que resta do contrato que têm com ele e que não podem pagar. Se calhar até há alguma cláusula no contrato sobre descida eventual do Levante, não sei.

Ecoa na minha cabeça o ditado popular: Cá se fazem cá se pagam!